quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Brinquedos Waldorf

Com a chegada (e a ida!) do Natal, vejo muita gente questionando e refletindo sobre os diversos tipos de presentes que podemos dar a nossos filhos.

Eu comprei para minha filha, “de Natal”, na loja Bazar das Arábias, um boneco de pano, sem expressão alguma, que tem apenas uma cabeça, corpo e braços cujas mãos são apenas uma bolinha. A cabeça é de algodão cru e lã de carneiro. O interior do corpo é preenchido por arroz e ervas como macela, camomila, lavanda e erva-doce. Tem peso aproximado de 1,5 kg, para se assemelhar a um bebê. É um boneco Waldorf e minha filha ama. Ela tem apenas um ano e quatro meses, mas o chama de “nenê”, abraça o boneco, o pega nos braços como se fosse um bebê, finge que está ninando ele e às vezes o põe ao seu lado para dormir e fica dando tapinhas na barriga ou acariciando sua cabeça, como eu sempre faço com ela para dormir. Eu nunca a ensinei a fazer nada disso. Ela imita com o boneco o que eu faço com ela. Simples assim.



Lina e seu bebê.
Melhor de tudo foi meu marido que esses dias viu o boneco jogado pela sala, o pegou e o deitou bonitinho no sofá, dizendo: "não aguento ver esse boneco jogado de qualquer jeito por aí!! dá uma angústia!"


Vi então, nesta data que já passou, uma excelente oportunidade para discorrer sobre um tema que há muito tempo eu gostaria de ter escrito aqui no blog: os brinquedos inspirados na Pedagogia Waldorf.

A Pedagogia Waldorf (PW) tem como princípio primordial para a educação da criança no seu primeiro setênio a atividade lúdica, e, junto aos princípios Waldorf de cultura à imaginação e respeito e integridade à natureza, surgiram os tais “brinquedos Waldorf”, que, confesso, têm muitas particularidades.

São brinquedos que, primeiramente, são constituídos inteiramente por matéria-prima natural, como madeira, lã, algodão, seda, tinturas naturais... enfim, tudo que seja natural, não plástico. Além disso, devem ser brinquedos que estimulem a imaginação, a fantasia e a criatividade – e isso sim quer dizer muita coisa. Por isso, encontramos uma diversidade enorme de brinquedos de madeira, sem pintura e com pouquíssimos detalhes ou acabamento. A ideia é ser o mais simples possível, para que estimule a imaginação da criança.


Casinha desmontável de madeira sem pintura - retirado de www.tinyfootprinttoys.com.



Árvores de madeira e gnomo de madeira com roupa de feltro - retirado de etsy.com





Animais de feltro - retirado de etsy.com



Mas o que há de mais famoso e característico são os bonecos Waldorf. Claro que a PW não faz distinção de brinquedos de menina ou de menino, portanto tais bonecos são também para meninos. Tratam-se de bonecos feitos de lã, algodão ou seda (ou outro material natural, não sintético), geralmente preenchidos com lã, arroz, ervas perfumadas, e por aí vai. Mas o que é mais característico destes bonecos é a simplicidade dos mesmos, já que muitas vezes não passam de uma cabeça com corpo e braços, sendo a cabeça ornada apenas com dois pontos sendo os olhos e uma boca sem expressão de alegria ou tristeza.





Boneco Waldorf de pano, super simples (quem sabe não fazemos em casa mesmo) - naturalkidsteam.com





Bonecos Waldorf de pano, tradicionais - bellalunatoys.com

Família de Bonecos Waldorf de madeira, sem expressão - retirado de etsy.com



Uma das primeiras coisas que aprendi sobre a PW foi sobre como os brinquedos modernos destruíam a imaginação e criatividade da criança. Eu nunca tinha parado para pensar desse ponto de vista, e se não fosse a PW talvez eu nunca pensasse sobre isso. Acontece que hoje eu concordo plenamente. Comprar um brinquedo com detalhes perfeitos, inteiramente pronto, mecanizado, que anda, fala ou está sempre sorrindo não dá espaço para a criança utilizar a imaginação. Com um carrinho de madeira "crua'', por exemplo, que é apenas um bloco com duas rodas, a criança pode imaginar que é uma Ferrari, um Fusca, um caminhão ou qualquer outra coisa, da cor que quiser, que ela pegará com as mãos e terá que imaginar seu movimento e seu som, o que faz a criança participar ativamente, tanto de corpo como de alma, da brincadeira. Agora se você comprar um carrinho desses lindos, coloridos, com portas e janelas que abrem, que andam e emitem sons, como a criança poderá imaginar algo, se já está tudo pronto?

Carrinho de madeira Waldorf - retirado de pinterest.com



O mesmo com o boneco Waldorf. Se você comprar uma Barbie (sem contar o grande apelo sensual da boneca), já com olhos azuis, sorriso no rosto, mãos com todos os dedos sempre na mesma posição, entende como isso prejudica a imaginação da criança? Como deve ser difícil para ela imaginar a Barbie triste sendo que ela está sempre sorrindo?

Rudolf Steiner, criador da Pedagogia Waldorf, vai ainda mais a fundo, analisando a capacidade anímico-espiritual da criança, quando compara os bonecos Waldorf e as bonecas “prontas”, em seu livro “Andar, Falar, Pensar”, cujo trecho transcrevo aqui:

 “Com isto eu quis apenas indicar como a criança tem a seu dispor uma força plástica interior maravilhosa, e como trabalha continuamente em seu íntimo como um escultor. E se lhe dermos a boneca de pano, penetrarão suavemente no cérebro as forças plasmadoras do organismo — principalmente aquelas que, a partir do sistema rítmico, da respiração e da circulação sangüínea, moldam o órgão cerebral. Elas plasmam o cérebro infantil da mesma maneira como trabalha um escultor que elabora a escultura com mão firme, flexível, compenetrada de espírito e alma: tudo ocorre em caráter formativo, em evolução orgânica. A criança observa esse pedaço de pano transformado em boneca, e isto se torna força plasmadora humana, força verdadeira que, a partir do sistema rítmico, intervém no sistema cerebral.

Quando damos à criança uma das chamadas lindas bonecas — a boneca articulada, que pode mover os olhos, de faces tingidas e belos cabelos — entregando-lhe esse horrível fantasma do ponto de vista artístico, forças plásticas que modelam o sistema cerebral atuam do sistema rítmico, partindo da respiração e do sistema sangüíneo como chicotadas: tudo o que a criança ainda não pode compreender açoita o cérebro. Este é terrivelmente golpeado e flagelado.”



Ainda, nosso querido Valdemar Sezter, professor Titular do IME (USP) e pesquisador da Pedagogia Waldorf, escreve o seguinte sobre a vantagem da textura natural dos bonecos Waldorf:

 “Uma boneca de pano, especialmente de tecido natural, permite que a criança encoste-a em seu rosto, abrace-a, faça carinho nela etc. Experimentem fazer isso com uma boneca de plástico, ainda mais em miniatura como uma Barbie; a textura do plástico é uniforme, lisa, em geral dura; isso significa não incentivar o desenvolvimento do sentido do tato. Além disso, significa que a criança não consegue relacionar-se com as bonecas de plástico como com as de pano, que devem ser relativamente macias, permitindo até que a criança apoie sua cabecinha nelas e talvez queira dormir com elas junto de seu rosto. Alguém acha agradável dormir com um pedaço de plástico duro junto ao rosto?” (texto completo na página pessoal do professor: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/barbieridade.html)



E para crianças maiorzinhas, tudo o que estimule a contação de histórias e a fantasia de contos de fadas, também são considerados brinquedos Waldorf. Brincadeiras de imitação de afazeres domésticos também são legais, já que as crianças adoram imitar os adultos e um dos princípios da PW é a desenvolver o senso de colaboração, o que inclui cooperar desde pequenos nestas atividades.


Estímulo à fantasia com tecidos simples - retirado de pinterest.com

Tecido, coroa de papel e Contos de fadas - retirado de themagiconions.com

Imitação de afazeres domésticos - retirado de inhabitots.com


Por fim, ressalto a importância dos brinquedos que aparentemente não são brinquedos, como pedras, areia, folhas, tocos de madeira, atividades com terra e água e tudo o que estiver disponível na natureza. Com esses materiais é possível criar uma infinidade de brincadeiras e imaginar muito!







E para quem se interessou, abaixo segue uma lista de apenas algumas lojas virtuais brasileiras que vendem brinquedos Waldorf.

Oficina criadora Waldorf - Brinquedos de madeira “crua” totalmente inspirados na pedagogia Waldorf, lindos de morrer!

Brinquedos Waldorf - Tem de tudo! Uma delícia de loja!! Bonecas de pano, brinquedos de madeira, material para artes, livros, cds...

Waldorf OnLine - Loja com diversos artigos Waldorf, incluindo material para artes  como giz de cera de abelha, massa de modelar, aquarela, etc.

Bazar das Arábias - Loja de uma mamãe muito querida, com uma infinidade de brinquedos Waldorf, Montessori, educativos, livros, cds e muito mais!

Goo Goo Baby - Site com produtos para bebê em geral, mas que possui brinquedos educativos de madeira e alguns brinquedos Waldorf.

João Pé de Feijão - Site fantástico, com ênfase em contos de fadas, com brinquedos variados como bonecos de crochê, brinquedos de seda, kits de feltragem tipo faça você mesmo dentre outros.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Quando nascer passa de Acontecimento a Evento - Sobre as festas na maternidade

Aproveitando a deixa da Gabi Sallit em seu último post no blog Dadadá, que achei um dos melhores posts que li ultimamente, porque nos faz aceitar que julgar é normal e quem sabe até saudável, começo a patir de agora a julgar - talvez de modo um pouco ácido - uma atitude que me fez pensar muito: as festas no dia do nascimento, ainda na maternidade:
 
 
Foto retirada do site da iG
 
 
Estava eu passeando por alguns sites de maternidade que acompanho sempre quando vi, bem no cantinho, um anúncio para festas na maternidade. Fantástico! Agora em complementação ao CineParto, surgiram as animadíssimas festas no quarto do recém-nascido!! Olha que legal:
 
 
 
 
 
 
Como diz na terceira matéria, é a nova tendência do mercado. Uau! Claro, mercado cujo público alvo são somente as gestantes que optaram por cesarea eletiva com certa antecedência. Já comentei aqui qual a minha opinião sobre as cesareas eletivas, mas, resumindo, eu entendo quem opta por essa opção, mas acho cruel com o bebê.
 
O mercado voltado para gestantes e mães recentes já é bem cruel. Mais triste ainda é perceber que está surgindo no Brasil (e também em outros países) um sólido mercado baseado unicamente no suposto "conforto" que a cesarea eletiva traz para a mulher (sim, para a mulher, e não para o bebê). Apenas na matéria da Uol é que lembrar de citar que ainda existe o parto normal minha gente!!! Pasmem, há esta pequena citação lá:
 
 
"As encomendas devem ser feitas com um prazo de, no mínimo, 30 dias. No caso de cesariana marcada, é só agendar com a mãe a data e preparar o quarto. Quando é parto normal, sugiro que a mamãe escolha produtos mais duráveis, como chocolates, balas e confeitos, pois podem ser produzidos e aguardar a chegada do bebê".
 
 
Bem, pelo menos lembraram que algumas mulheres das cavernas ainda optam pelo parto normal. Mas convenhamos, preparar uma festa e ficar um ou dois meses (ou mais!) esperando o bebê nascer... aí não dá... vamos agendar logo essa cesarea pra podermos comemorar né?? Se não os docinhos estragam...
 
É triste... colocamos o parto na esteira de uma linha de produção (cesareas todas iguais) e para compensar "personalizamos" as festas no primeiro dia após o nascimento, para podermos sentir que somos todos diferentes.
 
Mas ainda bem que na matéria do iG, cujo título é "Decoração personalizada, serviço de buffet e até garçons: vale tudo para celebrar a criança desde suas primeiras horas de vida – mas com bom senso e consentimento do hospital", também fizeram o favor de lembrar os leitores que na "festa" devem entrar 5 participantes por vez (será que o garçom entra nesta conta?), para evitar risco à saúde do recém-nascido. Ufa!
 
Aliás, o bom senso citado no título desta matéria não é muito o que se vê por aí... afinal, hospitais já chegaram a vetar pedidos "extravagantes" como instalação de chopeira no quarto. (wtf????) Ah, mas um chapanhezinho pra celebrar pode tá??
 
Outras recomendações pertinentes para a celebração que achei ótimas são:
 
 
"O momento é mesmo propício a comemorações, desde que respeitados certos cuidados. É preciso ter em mente que o parto é um procedimento cirúrgico e, sendo assim, requer atenção especial, sob o risco de prejudicar o pleno restabelecimento de mãe e bebê."
 
“Acima de tudo, é um hospital. A pessoa no quarto ao lado pode estar em repouso ou não estar no mesmo clima de comemoração, por ter sofrido um abortamento, por exemplo. Não tem problema fazer uma festinha, desde que respeite o espaço do outro” (recomendação do Diretor da Maternidade Perinatal Barra, no Rio de Janeiro)
 
 
Opa, pérai!!!! Parto é um procedimento cirúrgico??? Ah, é! Esqueci que as festas são só para as que optam por cesarea eletiva. O resto das recomendações não vou nem comentar...
 
 
E ainda, minha gente, por fim, como organizar um parto com uma festa linda sem a mamãe pensar no seu visual não mesmo??
 
 
"Como é praxe nessas ocasiões, a dona da festa quer sempre se exibir impecável na hora de receber os convidados. É um desafio estético, especialmente quando se trata de mulheres recém-saídas da sala de cirurgia, e mais uma incumbência para Fulana, que se dispõe a levar também maquiador e cabeleireiro."
 
 
Pois é. Viva o consumismo. Viva a ostentação. Vamos mostrar aos nossos bebês que o importante mesmo no primeiro dia de vida é gastar bastante dinheiro para recebê-los "bem" nesse mundo. Vamos provar às nossas famílias que temos dinheiro suficiente para "cuidar" bem dos nossos filhos. Vamos mostrar que o que interessa é mãe maquiada e de cabelo feito desde as primeiras horas do pós-parto.
 
Afinal, resguardo, tranquilidade, introspecção, cumplicidade com o bebê, início da amamentação e todo o (grande) mais que vem com a chegada de um bebê... que importa não é mesmo?
 
Bom mesmo é ter uma grande festa no dia do nascimento!!!


Só pra lembrar :)
(desculpem a resolução. Fonte: Movimento Infância livre de consumismo)