quarta-feira, 16 de julho de 2014

Relato de Parto Normal Humanizado - O nascimento da Lina e de uma nova família


Segue abaixo, dez meses depois do ocorrido, o meu relato de parto. Li tantos relatos de parto na gestação que me ajudaram muito o meu empoderamento, que eu não podia deixar de escrever o meu. Foi – e ainda é – o momento mais importante da minha vida. Momento para o qual eu me preparei profunda e intensamente, física e psicologicamente...

Gestação e Pré-Natal

Quando me descobri grávida um turbilhão de coisas novas passaram pela minha cabeça e pelo coração – e passam até hoje! Eu me conhecia e já sabia que partiria para algo natural e o menos intervencionista possível. Eu queria parir, eu queria fazer a força sozinha, deixar natureza comandar meu corpo, como acontece há milhares de anos. Não queria ninguém em cima de mim, me dando medicamentos ou muito menos me cortando de lado a lado.

A princípio minha ideia sempre foi o parto na água, mas ao longo dos meses, depois de muita leitura e empoderamento, decidi que o melhor mesmo era não criar expectativa alguma. Cabe dizer aqui que minha vontade de verdade era ter um parto domiciliar, mas como moro em uma cidade com ínfima infra-estrutura e a 160 km de distância de um hospital decente, acabei desistindo logo desta opção, infelizmente.

Então procurei em BH algum profissional que fosse adepto ao parto natural – incrível como é difícil encontrar esses profissionais hoje em dia! Mas graças a Deus alguns deles ainda perambulam pela face da Terra, e então encontrei a Dra Quésia e o Instituto Nascer, junto com todos os outros profissionais que me apoiaram maravilhosamente durante a gestação e parto (doula Isabel, fisioterapeutas Sabrina e Renata, psicóloga Alessia, pediatra Soraya e a obstetra Alessandra).

O Pré-natal transcorreu normalmente sendo que tive pouquíssimos desconfortos – o pior era a prisão de ventre. Engordei apenas 11 kg e dois meses após o parto havia perdido tudo. Fiz fisioterapia para o períneo pois morria de pavor só de pensar em uma episiotomia – graças a Deus não precisei dela (aliás, ninguém precisa). Apenas no final da gestação que um assunto muito delicado quase nos passou despercebido... e as intervenções de praxe que são aplicadas no bebê? Como escapar disso? Conversei com a Dra Quésia e saí em busca de uma pediatra que apoiasse nossas escolhas, e então, apenas duas semanas antes do parto, encontramos a Dra Soraya e estava decidido que ela iria acompanhar a Lina nos seus primeiros suspiros neste lado da vida. Não posso esquecer-me de comentar ainda que durante a gestação escrevemos, eu e meu marido, um extenso plano de parto contendo todas nossas preferências, que eram basicamente nenhuma intervenção em mim e nem no bebê e conversamos com a Dra Quésia, Isabel e Dra Soraya, e então estávamos todos preparadíssimos para que a Lina tivesse a melhor recepção possível durante sua transição para a vida terrena.

O Parto

Eu já vinha sentindo as contrações dos pródomos há algumas semanas... bem fraquinhas e que me fizeram dilatar um ou dois centímetros. Numa segunda-feira de madrugada, às 2:00h, a bolsa estourou. Levantei, fui ao banheiro, constatei a grande quantidade de líquido clarinho saindo, falei pro meu marido, e voltei pra cama. Ele dormiu até as 6:00h, mas eu não consegui dormir, mesmo estando muito calma. Coloquei uma toalha na cama e a água continuou saindo a madrugada toda. Meus pais estavam em casa e então levantamos, tomamos café e avisamos eles que iríamos até BH (4 horas de viagem). Lembro muito bem da última consulta do pré-natal, cinco dias antes do parto... a Dra Quésia fez um exame de toque e disse entusiasmada pra eu ficar tranquila, que estava próximo do nascimento e que eu tinha tudo para ter um parto natural do jeito que eu sonhava, pois a bebê era pequena, e meu colo do útero estava muito macio, o que poderia acarretar em um trabalho de parto super rápido. Então a Dra começou a nos explicar que o bebê poderia nascer no meio do caminho, dentro do carro e nos explicou o que deveríamos fazer caso isso ocorresse! Muito fofa a Dra Quésia!! Eu gostava dela cada dia mais e sempre me sentia mais segura e confiante com ela!

Então entramos no carro e só quando estávamos no meio do caminho, lá pelas 8:00h, resolvi ligar para a Quésia (não quis ligar antes para não incomodar). Ela conversou com a gente e disse que estava voltando de viagem e iria chegar em BH no fim da tarde, e me encaminhou para a Dra Alessandra. Chegando em BH, lá pelas 11 da manhã, fomos direto no consultório da Dra Alessandra que nos atendeu prontamente, com toda sua doçura. Fez um exame toque e constatou 3 cm. Como estava ainda com contrações muito fracas, decidimos juntos que iríamos passear um pouco para engrenar o trabalho de parto. Fomos então ao shopping, nem me lembro qual, e almoçamos e caminhamos muito. E nada das contrações começarem. Três da tarde resolvi assistir ao filme “Jobs” – melhor coisa que fiz pois depois que a Lina nasceu nunca mais consegui assistir a um filme, nem na televisão. Lá pelas 5 da tarde a Dra Alessandra nos telefonou, perguntou como eu estava e pediu pra retornarmos ao consultório. Novo exame de toque e só 4 cm. Continuei muito tranquila e estava disposta a aguardar o início das contrações. Porém conversamos com a Dra Alessandra e decidimos internar para eu poder dormir um pouco, tomar um banho, relaxar e quem sabe ajudar no início das contrações. Fomos ao Santa Fé, onde a Dra Quésia já havia reservado a suíte de parto, aquela com a banheira. Mas antes de internar resolvi tomar um belo açaí na tigela ali por perto. Foi minha última “refeição” antes do parto! Internamos lá pelas 18h, e hoje sei que internei precocemente, mas como eu não tinha casa para ficar em BH, foi a solução que encontrei naquele momento. Logo depois da internação chegou a doula Isabel, queridíssima, chegou e me fez escalda-pés e massagem nas pernas. Eu só iria entender o porque da massagem das pernas após o parto... fiquei um dia inteiro sentindo um desconforto nas pernas e se não fosse a massagem acho que teria sido bem pior! A Dra Quésia chegou logo em seguida, conversamos e continuamos aguardando as contrações começarem.

 


Escalda pés e massagem. Doula é tudo de bom!


Dormimos e lá pelas dez da noite a Dra voltou e nada das contrações começarem. A Dra então sentou ao meu lado e me explicou delicadamente que devido à bolsa rota há 20 horas havia risco de infecção para mim e para o bebê, principalmente pelo fato de eu ter tido uma infecção urinária durante a gestação. Decidimos então pela indução do parto com ocitocina, e perto da meia noite foi colocado o acesso na minha veia. A Quésia pediu poucas gotas por minuto, e poucos minutos após o início do soro as contrações já começaram a se fortalecerem – a Quésia até brinca dizendo que foi psicológico. Tomei pouca ocitocina (pelo menos eu acho) se eu não me engano por uns 20 minutos só. Mas pra falar a verdade eu não aceito muito bem isso até hoje. Eu queria mesmo um parto totalmente natural, mas tinha consciência que ás vezes as coisas podem não sair como esperamos. O que me confortou nesse sentido foi uma conversa que tive com a Isabel, 9 meses depois do parto, em que ela me esclareceu que eu produzi a ocitocina natural e que essa ocitocina chegou até a Lina sim (era minha maior preocupação e meu maior remorso). Ela explicou que se eu não tivesse produzido a ocitocina natural, assim que tivessem tirado a sintética da minha veia, meu trabalho de parto teria parado, o que não aconteceu.

Mas enfim... aí as contrações começaram, não muito fortes... quando começou a doer fui ao banheiro, sentei na bola e depois fiquei na bola embaixo do chuveiro. Aí já tinha perdido a noção do espaço, do tempo, de tudo... mas deveria ser umas 2 ou 3 da manhã. Em um dado momento eu quis deitar, sabe-se lá porque! Grande erro meu. Deitei e foi como se tivessem me colocado numa máquina de tortura - a dor foi insuportável. Foi deitar e querer levantar de novo. Á esta altura eu já estava gemendo bem alto durante as contrações e então a Dra Quésia sugeriu que fizesse um exame de toque, que eu aceitei. Ela fez o exame, olhou pra mim e não disse nada... só pegou o celular e ligou para a Dra Soraya (a pediatra) e ouvi ela dizer: -“Soraya, pode vir que a Katherine já está com 8 cm de dilatação.” Nem lembro se fiquei feliz, nervosa, ansiosa, ou o que. Eu já não tinha mais controle nenhum do que eu pensava, sentia ou fazia. Era só a natureza e os instintos primitivos me guiando. Fui então para a banheira e fiquei um bom tempo de barriga pra cima, toda mergulhada na água. Meu marido, a Isabel e a Quésia ficaram na borda da banheira me acalmando, me dando água de côco para beber. A água quente aliviava muito, mas as contrações já estavam muito intensas.



Apoio do marido, doula e Dra Quésia


No pico das contrações eu gemia e gritava bastante. Pedi anestesia várias vezes, mas eu já tinha avisado meu marido que isso poderia acontecer e tinha orientado ele que não era pra deixar me darem anestesia, mesmo se eu pedisse!! Ele obedeceu e não me arrependo disso! Mas o que me fez desistir da anestesia mesmo foi a Dra Quésia... ela chegou bem perto de mim e disse: - Katherine, olhe à sua volta. Você está num quarto lindo, com banheira, luz fraca, cromoterapia... seu trabalho de parto está evoluindo muito rápido. Você tem certeza que quer colocar aquela roupa de hospital, touca, sentar numa cadeira de rodas e ir pro centro cirúrgico tomar anestesia? Isso pode travar toda sua evolução do trabalho de parto e além disso vai demorar uns 30 minutos e pode ser que o bebê nasça lá!

Bem, desisti na hora e não pedi mais anestesia. Continuei na banheira mas mudei pra posição de “sapinho”. A Isabel me lembrou de tocar a cabecinha da Lina pra ver onde ela estava, conforme eu havia pedido no meu plano de parto. Toquei, senti a cabecinha dela bem próxima e foi uma sensação indescritível. Eu também via a descida da Lina através de um espelhinho que elas colocavam pra eu ver.





Eu era livre para escolher a melhor posição para o parto. Isso sim é respeito!


Lembro com os olhos cheios de lágrimas de uma hora em que eu gemia e gritava muito, no pico de uma contração, e a Quésia estava segurando minha mão na borda da banheira, aí eu olhei pra ela que estava com uma touquinha verde com uma florzinha, e disse: - “Doutora, dói demais!”. E ela olhou no fundo do meu olho e só respondeu, com todo aquele coração de mãe que já pariu naturalmente: -“Eu sei!”

Aquilo me deu uma força, me recarregou as energias de uma modo inexplicável. É engraçado, mas é realmente uma força que a gente não sabe da onde vem. Uma força que só as mulheres conhecem, que sei lá, deve vir de nossa ancestralidade, de nossa natureza feminina, de mulher parideira.

Logo depois eu cansei da posição de sapinho, pois meus joelhos doíam no fundo da banheira. Então eu quis sair da banheira e pedi o banquinho de parto. Sentei lá, com meu marido me apoiando e abraçando atrás. O espelhinho as vezes aparecia por lá e eu podia ver a cabecinha da Lina despontando. Não demorou muito, fiz algumas forças. Confesso que estava bem ansiosa e até um pouco desesperada. Soltei um gemido estranho uma hora e a Quésia disse animada: - “isso, esse gemido que vai fazer ela nascer.” (lembrei de vários textos que li dizendo sobre esse “gemido primitivo” que as mulheres dão durante o expulsivo.)

Momento do expulsivo no banquinho de parto, com o apoio do marido.


Agarrei a perna do meu marido, fiz mais uma força, de olhos fechados, e meu marido todo emocionado me disse: - olha lá embaixo! Olha nossa filha chegando!

Olhei e vi a cabecinha da Lina pra fora e ela começando a fazer o giro. Pedi pra Quésia puxar e tirar ela logo (eu nunca teria pedido isso em sã consciência). Claro que a Dra Quésia não puxou a Lina e deixou ela vir no tempo dela. Fiz mais uma força e o corpinho nasceu – não senti nada daquele tal círculo de fogo... senti mesmo foi um grande alívio! Era muito bom!! Assim que nasceu a Dra Quésia pegou ela e colocou imediatamente no meu colo. Eram 5:00h da manhã. Eu estava tão em estado de choque que só consegui olhar pra pediatra e perguntar se estava tudo bem.

Lina foi colocada imediatamente no meu colo após nascer!



A Lina ficou encolhidinha no meu colo, com aquele cheiro m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o que eu queria engarrafar. Não chorou e já foi abrindo os olhinhos, toda espertinha. Logo após o nascimento os passarinhos começaram a cantar e lembro disso com muito carinho... Não sei dizer quanto tempo ela ficou no meu colo, mas logo que o cordão parou de pulsar meu marido o cortou.

Papai cortou o cordão após parar de pulsar... quanta emoção!


Secaram ela delicadamente e eu mesma que pedi pra pegarem ela pois eu queria deitar - estava bastante dolorida. Eu achava que tinha lacerado tudo lá embaixo!! Pegaram a Lina e colocaram no berço aquecido e eu fui pra cama pra Dra Quésia e Alessandra me examinarem. Doeu muito pra placenta sair e continuei bem dolorida alguns minutos depois. Tanto que fiquei até bem nervosa e não queria que as Doutoras colocassem a mão em mim. A Isabel segurou minha mão me dando forças e a Alessandra chegou do meu lado e conversou comigo com uma ternura das deusas. Explicou que elas tinham que examinar lá dentro, pra ver se houve laceração e que não podia esperar muito tempo caso tivesse que dar pontos. Eu acalmei, mas estava doendo muito e eu não queria que botassem a mão em mim. Então a Dra Quésia sugeriu que eu mesma me tocasse para elas poderem me examinar, pois assim eu saberia o limite da minha dor. Eu fiz e então constataram que não houve nenhuma laceração. Nadinha de nada. Nenhum ponto. Sem episiotomia e zero laceração (balde de água fria pra quem acha que bebês só nascem se fizer episiotomia – dentro deste grupo, muitos médicos).

Nesse meio tempo meu marido e a Lina haviam ido ao berçário para pesar e ser medida (2,890 kg e 48 cm). Graças a Soraya ela escapou do colírio nos olhos, conforme eu havia solicitado. Voltou pro meu colo toda cheia de vernix do jeito que eu havia pedido – só tomou banho no dia seguinte. Coloquei ela no meu peito e ela começou a mamar. Ficamos juntinhas, pele a pele, por muitas horas. Três horas após o parto levantei e tomei um banho sozinha, normalmente. Papai trocou a primeira fralda e colocou a primeira roupinha. Voltamos para nossa cidade, há 4 horas distância, no dia seguinte. Era muita alegria e muito amor. O maior amor do mundo. Nossa família havia nascido.

Família unida e feliz três horas após o nascimento!


E agora, para mim, cujo objetivo de vida era apenas viajar, nada mais faz sentido. Nenhuma paisagem me enche tanto os olhos quanto ver o rostinho dela e seu olhar curioso descobrindo o mundo. Nenhuma viagem é tão emocionante quanto conviver diariamente com este novo pequeno ser, que eu gerei, pari e que me transformou em uma nova pessoa. Cada dia agora é um novo dia, mais maravilhoso que o anterior.

Bem que dizem que quando nasce um bebê, nasce também uma nova mulher.


PS. Agradecimentos aos profissionais do Instituto Nascer envolvidos, que promoveram a mim e à Lina um parto respeitoso, humanizado e “amorizado” – graças a vocês, hoje, quando vejo um vídeo de parto “normal” na TV, eu fico tão horrorizada que acho que aquilo sim é que coisa do período das cavernas!

Agradeço também aos responsáveis pelo meu empoderamento: os maravilhosos contos dos livros do Dr Ric Jones e à todos os blogs que me educaram e influenciaram (das mamães Gabi Sallit, Anne Rammi, Ligia Moreiras, Kalu Brum, dentre outras). E agradeço ainda à minha amiga-irmã Mariana Camargo por me ouvir e discutir longamente todos os detalhes sobre parto normal/natural.

PSII. Sobre a placenta, inicialmente eu não tinha nenhum objetivo do que fazer com ela. Eu nem tinha pensado nisso, mas quem nos fez pensar sobre o fim que daríamos a ela foi nossa doula Isabel. Congelamos no próprio hospital e trouxemos pra nossa cidade. A placenta foi plantada na mata, no mesmo dia em que os padrinhos da Lina a batizaram em uma cachoeira. Obrigada Isabel, por ter nos questionado sobre o assunto e nos orientado quanto a isso. Lembraremos para sempre com muito carinho do local onde a placenta foi plantada. É uma simbologia imensa, que eu realmente não poderia ter deixado passar em branco.

3 comentários:

  1. Parabéns Katherine e obrigada por compartilhar. Você pelo texto recomenda o instituto nascer. Os valores são muito elevados?

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  2. Isis, obrigada você e parabéns pelo seu interesse pelo assunto, o que já mostra sua busca por seu empoderamento. Recomendo muito o Instituto Nascer sim, que foi muito bom para mim, mas a escolha depende de cada casal. Nem tudo o que foi bom para nós pode ser o ideal para vocês! Sobre os valores, também depende muito do que você considera elevado. Quer entrar em contato comigo por e-mail, que a gente conversa melhor? (kathegeo@gmail.com)

    Um abraço!

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  3. Oi boa noite. Ja vi varios relatos do instituto nascer. Queria saber mais sobre valores pode me ajudar?

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